EMBARQUE
Vera Popoff
Embarquei nas ondas do silêncio.
Não sei se foi apenas mais um,
ou o derradeiro embarque.
Nada está pressentido
e nada está consumado.
A viagem , nas ondas do silêncio,
absurda e muda , flui...
O inverno, pelo jeito, será longo.
Sob ventos , viajo e penso,
adormeço e sonho, envolvida na neblina.
Lá , onde estava ancorada, era feio demais!
Tolerar, relevar, editar, respeitar, aconchegar
e abraçar
Eram apenas verbos, da primeira conjugação.
Abraçada e apertada pela indignação,
desgarrei-me e parti.
Se foi covardia ou rebeldia?
Ainda não decifrei.
Se foi cansaço ou dor em demasia?
Também não atinei.
Sentada na poltrona da reflexão,
já não sou combativa , nem receptiva .
Esqueci o dias mais perfeitos e os mais imperfeitos
Desperdicei minha raiva e minha fúria
Arranquei as pedras atiradas contra o meu coração,
Matei a sede da vingança
Suavizei a minha audição
ouvindo Chopin.
Por enquanto , o prazer , em mim,
é lambuzar-me da fruta
e abrigar-me das intempéries
logo ali...naquela gruta.
terça-feira, 6 de junho de 2017
DONS
DONS
Vera PopoffAlguns dons, poucos dons,
singelos dons, nenhum raro dom.
Temperar um bom feijão,
Bordar e cozer à mão,
limpar o chão onde piso e donde,
algum passo de bolero, ainda deslizo.
Semear um pobre solo e colher
o que é possível.
Relembrar velhas lembranças, impassível!
Desprovida do dom da paciência ,
afastei-me dele...sem chorar.
E despedi-me d'alguns amigos , sem reclamar.
O dom de enxergar, conservei,
por causa de certas visões , padeço e me aborreço.
Deram-me, como enriquecimento,
o dom da indignação e assim,
vivo momentos de extrema sofreguidão.
Ah... por vezes até esqueço do dom de partilhar
companhias
Fugida de todo alvoroço
Cansada de muita conversa jogada fora,
Exaurida da hipocrisia , de um mundo tosco,
sem fantasia,
carrego nos ombros , a sós, os meus dias.
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