sexta-feira, 8 de maio de 2015

O POETA TIRIBA

          O POETA TIRIBA
                                            ( VERA POPOFF)

Quando fiz nove anos, ganhei um livro de poesias da minha tia Maria.
" Os melhores poemas de Álvares  Azevedo."
Agarrei o livro e não conseguia largá-lo. Tive uma paixão platônica pelo jovem poeta.
Imaginava-o cantando seus versos para a namorada.  Nos meus precoces devaneios, eu era a feliz donzela.
                  "O degrau das igrejas é o meu trono,
                   Minha pátria  é o vento que respiro,
                   Minha mãe é a lua macilenta,
                   E a preguiça, a mulher por quem suspiro."(poema Vagabundo da Lira dos vinte anos")
-Quem diria coisa mais bela? Eu pensava, com a cabeça ao vento.
Certa tarde, na sala, minha mãe fazia crochê, o Fernando, meu irmão, tocava seu piano; o Tiriba, nosso grande amigo, proseava e fazia planos . Eu lia Álvares  de Azevedo. Empolgada, comecei a declamar uma poesia atrás da outra.
Depois de algum tempo, minha mãe chamou-me à realidade:
-Verinha, venha ajudar-me! Nem só de poesia vive uma menina!
Embora, ela  mesma, preferisse as letras , ao fogão.
Meio contrariada, obedeci.
Foi quando o Tiriba fez-me uma proposta!
-Verinha, vamos à feira de Queiróz para vendermos as nossas poesias ? Você vende as suas , eu vendo as minhas!
Queiróz, na época, era um lugarejo,  onde meu pai transitava como  farmacêutico; fazendo partos , curativos, curando as dores que começavam no peito e respondiam nas costas.
Achei brilhante a idéia do Tiriba! Foi  quando minha mãe lhe perguntou:
- Você faz poesias, Tiriba?
-Claro que faço poesia, dona Moça! Era assim que se referia à minha mãe.
Levantou-se, estufou o peito e cantou seus tristes versos:
                        "  ...Eu sou um homem de fé
                            Mas na igreja eu não entro!
                            Pois um dia, pras bandas de Pompéia,
                           "jogaram eu"  porta   afora.
                            com o terço e pontapé
                           - Negrinho, fora daqui!
                           Preto não tem alma, nem rosário, nem fé !
                           Preto só tem chulé!"

                                silêncio na sala...
Ficamos parados, calados, atônitos! Minha mãe aproximou-se dele  e o abraçou tão forte que quase o sufocou. O Tiriba era alegre, falante, espirituoso, de inteligência privilegiada, mas chorou...
Jamais o tinha visto, nem mesmo triste!
Desde aquele dia, minha mãe escrevia numa brochura, os versos do Tiriba. Chegamos juntar dezoito poemas . Meu irmão Fernando Popoff guardou por anos, o caderno do Tiriba . Com a sua partida , jamais  encontrei a brochura . Tenho apenas três poesias guardadas comigo. O tema era o mesmo. Sempre a indignação pelo tratamento recebido por causa da sua  negritude e lindas palavras sobre a natureza.Oportunamente, postarei as outras duas,  que permanecem  comigo por longos  cinquenta e seis anos.
E tudo continua, lamentavelmente, igual!
Ah, nós dois jamais fomos à feira de Queiróz  para vendermos  nossas poesias. Que pena!!



                                              
 
O POETA TIRIBA E MEU IRMÃO FERNANDO POPOFF , AINDA BEBEZINHO

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