( VERA POPOFF)
Quando fiz nove anos, ganhei um livro de poesias da minha tia Maria.
" Os melhores poemas de Álvares Azevedo."
Agarrei o livro e não conseguia largá-lo. Tive uma paixão platônica pelo jovem poeta.
Imaginava-o cantando seus versos para a namorada. Nos meus precoces devaneios, eu era a feliz donzela.
"O degrau das igrejas é o meu trono,
Minha pátria é o vento que respiro,
Minha mãe é a lua macilenta,
E a preguiça, a mulher por quem suspiro."(poema Vagabundo da Lira dos vinte anos")
-Quem diria coisa mais bela? Eu pensava, com a cabeça ao vento.
Certa tarde, na sala, minha mãe fazia crochê, o Fernando, meu irmão, tocava seu piano; o Tiriba, nosso grande amigo, proseava e fazia planos . Eu lia Álvares de Azevedo. Empolgada, comecei a declamar uma poesia atrás da outra.
Depois de algum tempo, minha mãe chamou-me à realidade:
-Verinha, venha ajudar-me! Nem só de poesia vive uma menina!
Embora, ela mesma, preferisse as letras , ao fogão.
Meio contrariada, obedeci.
Foi quando o Tiriba fez-me uma proposta!
-Verinha, vamos à feira de Queiróz para vendermos as nossas poesias ? Você vende as suas , eu vendo as minhas!
Queiróz, na época, era um lugarejo, onde meu pai transitava como farmacêutico; fazendo partos , curativos, curando as dores que começavam no peito e respondiam nas costas.
Achei brilhante a idéia do Tiriba! Foi quando minha mãe lhe perguntou:
- Você faz poesias, Tiriba?
-Claro que faço poesia, dona Moça! Era assim que se referia à minha mãe.
Levantou-se, estufou o peito e cantou seus tristes versos:
" ...Eu sou um homem de fé
Mas na igreja eu não entro!
Pois um dia, pras bandas de Pompéia,
"jogaram eu" porta afora.
com o terço e pontapé
- Negrinho, fora daqui!
Preto não tem alma, nem rosário, nem fé !
Preto só tem chulé!"
silêncio na sala...
Ficamos parados, calados, atônitos! Minha mãe aproximou-se dele e o abraçou tão forte que quase o sufocou. O Tiriba era alegre, falante, espirituoso, de inteligência privilegiada, mas chorou...
Jamais o tinha visto, nem mesmo triste!
Desde aquele dia, minha mãe escrevia numa brochura, os versos do Tiriba. Chegamos juntar dezoito poemas . Meu irmão Fernando Popoff guardou por anos, o caderno do Tiriba . Com a sua partida , jamais encontrei a brochura . Tenho apenas três poesias guardadas comigo. O tema era o mesmo. Sempre a indignação pelo tratamento recebido por causa da sua negritude e lindas palavras sobre a natureza.Oportunamente, postarei as outras duas, que permanecem comigo por longos cinquenta e seis anos.
E tudo continua, lamentavelmente, igual!
Ah, nós dois jamais fomos à feira de Queiróz para vendermos nossas poesias. Que pena!!
O POETA TIRIBA E MEU IRMÃO FERNANDO POPOFF , AINDA BEBEZINHO
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