quinta-feira, 23 de abril de 2020

A RUA ONDE NÃO PASSA NINGUÉM

A RUA ONDE NÃO PASSA NINGUÉM
                                             Vera Popoff


RUA ONDE NÃO PASSA NINGUÉM
( Vera Popoff)
Na rua da minha casa não passa ninguém!...
Só passam o silêncio, o sossego e a solicitude,
também!
Minha casa fica no final da rua sem saída,
onde não passa ninguém!
A rua tem ladeira, é bem cuidada, é abençoada!
A rua da minha casa é esquecida, tem jeito de rua bucólica
mas enxergo nela, um pedaço de mim.
Sou a prefeita da minha rua
Quem cuida dela, sou eu,
mesmo cansada, meu desvelo com a rua
continua.
É apenas uma rua...
onde não passa ninguém!
Eu gosto de morar na rua onde não passa ninguém!
Saio no portão e vejo animal de rastro,
lagarta virando borboleta,
lagartixa acuada, perdendo a cauda, com medo
do gato que vive no mato!
No fundo, um riacho escondido do homem.
Meu vizinho é camarada ,
nos tem consideração.
E nós lhe devolvemos a atenção!
Ele viaja lá e cá , pouco fica na rua
onde não passa ninguém!
Engana-se aquele que pensa
que a rua que espreito é triste, sem recompensa!
Tem raio de sol na monotonia!
Tem debruçada sobre ela , a lua!
Tem estrela d'alva que se insinua e solta o brilho na rua
onde não passa ninguém!
A rua termina num arvoredo... preservado!
Nele moram o quati , o sagui agitadiço, atiradiço!
O sagui não vacila e não paga mico,
faz da mata, um rebuliço!
Tem gavião carrapateiro e tem o carcará
que "pega, mata e come!"
O céu é o guardião dos bichos, da mata e da rua
onde não passa ninguém!
O nome da rua onde não passa ninguém
é -COELHO NETO- "o príncipe dos pensadores"!
Eu me pergunto:- o que o pensador pensaria da rua
onde não passa ninguém??

-"A felicidade é uma ilusão na distância. As estrelas estão no vazio e nós vemos ela no céu."
(Coelho Neto)

A VIDA VAI TER QUE ESPERAR

A VIDA VAI TER QUE ESPERAR
                                    Vera Popoff

VIDA VAI TER QUE ESPERAR
Vera Popoff
Saí na madrugada
Minh'alma estranha e gelada...
Uma tristeza arretada
Preciso de espaço e sigo a caminhada
Sinto o coração bater
O som é de premonição

Teimo, desconfiada
Será que piso o grande inimigo?
Será que posso cumprimentar um amigo?
Será que a rua está bem lavada?
Será que posso alimentar o gato?
Será que a lua se importa com o terror do fato?
Será que alguém espreita o meu rastro?
Será que inspiro o ar contaminado?
Será que os meus passos levam-me ao fracasso?
Será que posso beber a água do regato?
Será que a morte ronda-me, de fato?
Será que é permitido andar este passo?
Será que encontrarei alguém no pedaço?
Perdi o rebolado
Ao ser assediada:
- Vai para casa , senhora!
- Já não posso caminhar, seu moço?
-A rua é erma
-A madrugada é escura
-A manhã inda não foi maculada
-Antes do sol nascer estarei de volta!
Não adiantou a insistência:
-Volta pra casa, senhora!
O perigo lhe ronda
O inimigo lhe sonda
A TERRA é redonda
Gira sisuda envolta em pesada sombra.
Dei meia volta
Um temor me assola
A angústia me enrola!
A caminhada está proibida
A alegria está inibida
A vida vai ter que esperar
A solidão do isolamento
O medo, meu grande tormento
A vida vai ter que esperar...
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CORAÇÃO FECHADO

CORAÇÃO FECHADO
                                        VERA POPOFF

Coração fechado
Vera Popoff
Acordei muito cedo
Madrugada fria, triste aurora.
Vou me deitar muito cedo, antes da chegada da lua.
Não a quero desapontada com a minha tristeza tão crua, tão exposta, tão nua!
Com a solidão diante de tanta frieza.
O descaso com o sofrimento , com morte.
Um capitão cor de cinza, escarrando
o horror, o sadismo , a má sorte.
Um general debochado, quer boa notícia
sobre as covas compartilhadas.
Um juiz pateta, nem sabe o que diz,
se ri com o canto da boca tão suja,
tão desinfeliz.
Um deus pequenino clamado:
- deus acima do esgoto !
Que tempo tão cruel e maroto.
As mortes contadas em números.
Perderam seus nomes, seus filhos,
suas mães e seus pais
Ao coveiro da nação
não importam mais.
A ansiedade do dia:
-morreram duzentas?
-morreram trezentas?
-ah, foram cem?
Que importância isso tem?
Não, não tenho mais Pátria!
Meu coração fechou sua porta
Nele já não cabe
A terra de homens cruéis,
onde teimei em nascer
Não posso mais com tanto revés
Vou me deitar
Preciso sonhar

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

HORA DA VERDADE

HORA DA VERDADE
                                       Vera Popoff


Enfrentas , corajosamente , o espelho!

Sem o batom para disfarçar,
Sem o rouge de corar
Sem a meninice anos sessenta
Nenhum detalhe para simular o tempo.

O espelho e tu
Tu  e o espelho,
sem pudor, sem mentiras,
sem segredos e sem medos.

Pois bem, mulher!
Nada de promessas.
Anda, confessa!
A promessa de ontem
não foi cumprida
A de hoje, já esquecida.

Não dissimula, estás cansada!
O vigor já não ultrapassa o teu dissabor
O exaurimento venceu o encanto
Calou o teu canto!

Tua boca emudeceu, mas
a teimosa esperança, recrudesceu.
Vê o contraponto,
A tua vida , nem tão suave,
alcançou o impalpável ,
e inda está acesa
Um relume visita o teu semblante
Vai...segue adiante!
O teu espelho , enfim, reflete uma miragem
 Vive, inabalável, a tua coragem.