quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O PECADO

O PECADO
                    Vera Popoff

Confesso os pecados,  pois muito
          pequei!
Pequei por pensamentos, palavras ,
obras e omissões. E como pequei!
Todas as arrogâncias do mundo,
          incorporei.
As traições imaginárias
          fantasiei.
As mais tolas e graves mentiras
          menti e reforcei
          menti outas vez!
Num poço fundo de mágoas
          afundei-me.
O mal ao ingrato , ao inimigo
          desejei
Fantásticas e cruéis pragas
          roguei
E o mal que me fizeram
          não perdoei.
Portanto pequei e pequei e pequei...
não aprendi e persisti no pecado.

Sou tão pecadora que nem mesmo
importo-me com as condenações,
muito menos com as absolvições
      Nada me importa
Volto a pecar. O pecado vive ao meu lado
      Como não pecar?
Jamais fui inocente como muita gente
Meu sorriso foi , tantas vezes, fingido,
    amarelo , malicioso, capcioso.
Nunca fui santa e jurei em falso
Talvez , só por isso , mereça
           o cadafalso.
Peco, pequei e pecarei
Nasci com o pecado original
Tentei livrar-me  do pecado mortal
Nos pequenos deslizes , cometi
muito pecado venial

Com os sete pecados capitais
     tive certo cuidado
Mesmo assim...pequei!
Sim , fui  gulosa, mas nunca
avarenta, pois muito gastei!
Externei e senti raiva das injustiças
        e  esbravejei.
Cobiça , inveja, soberba
      evitei.
Mas da luxúria...ah, não escapei!
Da preguiça eu me livrei.

Por tudo, por certo , serei julgada
Talvez condenada ou até , perdoada.
Mas a vida eu vivi e dancei,
      amei, beijei, desejei.
Por isso, padre, só por isso,
não escondi-me e pequei.










      

   

sábado, 20 de agosto de 2016

VERDE E AMARELO

VERDE  E AMARELO
                              Vera Popoff

Estou sendo sincero
quando digo-me enjoado
do verde e do amarelo.
Quando permito-me cansado
das "margens plácidas",
e da esperança que a  essa terra
        nunca desce!
Tenho campeado o povo heróico
   com seu brado retumbante,
Mas o que vejo é um sonho pequeno
e um raio  nada reluzente
Uma gente frágil, sem brado, sem voz,
           descontente!

Estou sendo sincero
quando acho-me enjoado
de tanto verde e amarelo,
servindo de escudo a um cinismo
       nada gentil.
Assim és tu, Brasil!
Sem paz no futuro,
tanta vergonha presente
e uma justiça que nunca se ergue,
mas pune , rebaixa, tripudia ,
condena sem nenhum amor fugaz,
quanto mais , amor eterno!

Estou sendo sincero,
quando sinto-me enojado
do verde e do amarelo ,
enrolando corpos pobres de
caráter e de  braços fortes!
Em qual seio há liberdade?
Onde anda escondido
 o penhor da igualdade?
Nem o céu é mais tão límpido!
Enxergo fuligem, fumaça no ar.
Oh, pátria deitada em berço tão áspero
            e duro!
o que será da Pátria do futuro?

Ao som de panelas e gritos infames
Já não fulguras,
Vives nas sombras sinistras,
escondendo nos becos, os oprimidos,
sentidos, empobrecidos de dignidade.

Estou muito decepcionado
com o verde e o amarelo
Não vislumbro
nenhum sol
do novo mundo!
O gigante apequenou-se ,
sem  a decantada beleza,
e tão pobre de nobreza!

Estou sendo sincero...
Como estou cansado
de penar sob o verde
e o tão  despudorado amarelo.
Salve! Salve!
Terra à vista!
Independência ou Morte!
Pois é a Morte da decência,
da competência,
da democracia frágil,
 sem consistência!


AH, VAI!!!

AH,  VAI!!!
                     Vera Popoff

Há três dias ,
exatos três dias,
não arrumo a cama.
Há um mês, não troco lençol
São muitas horas sem a luz do sol.

Uma semana que não me penteio
Ano inteiro  que não acolho alguém...
           no meu seio.

Já não observo a paisagem
Nem me perco n'alguma miragem
Manhãs vazias e frias
Tardes sonolentas , cansativas
Noites, ah...noites, nada emotivas.

Minhas mãos , tão ativas
andam segurando a preguiça
Sequer presto atenção nos sons
        ou nos tons.
Os lábios , descorados, já não são realçados
        pelo carmim dos batons.

Não digo bom dia ao fulano
Tampouco boa tarde ao beltrano
Não ergo o olhar ao sicrano
Caminho ...na companhia de mim.

Folhas ao chão
Pensamentos tão vãos
Sentimentos , sem nenhuma paixão
A alma , sem unção
e a vida sem consagração!

Ah, vai!
Inda respiro
Está pra lá de bom!

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

VELHA

VELHA
                          Vera Popoff

Hesitei, a língua enrolei,
o suor fraco escorregou,
O silêncio é "mais pequeno"
do que eu gostaria.
Senti receios, recuei para não dizer:
-Nossa , como estou velha!

Minha carcaça dói porque é velha
A alma não acende , está velha!
Desejos tão velhos,
mágoas velhas
dores velhas.
Tristezas e alegrias enrugadas
        de velhas.

O espelho não esconde:- Velha!
Cara amassada, beiços caídos,
olhar sem relumes...velhos!
E o sangue engrossado,
mal passa pelas veias entupidamente
                  velhas.

Os passos tão lentos deslizam
como passos de uma velha.
O coração tão languente com batidas
repetidas , entediadas e velhas .
Esperas e esperanças que de tanto esperar
            ficaram velhas.

Ilusões não sobreviveram...de velhas.
Saudades tão velhas deixaram de ter importância.
As lembranças velhas estão tão apagadas!!
O pensamento , ficou lá longe , no tempo
e as ideias ficaram velhas.

A casa que abriga-me é estranha e velha
Não é a casa desejada, imaginada, sonhada
Tem paredes de tinta velha
Fantasmas que, de velhos, já não assustam.
Nossa , que  palavra velha!
Linguagem velha ,
Ortografia velha,
O livro , de tão velho, ainda diz fharmácia!
ainda conta aquela história velha.

Teimo e faço poesia.
Poesia velha, construída de rimas velhas
A verdade verdadeira está aí !
Fiquei velha e sinto um velho desânimo
Não reajo a tantos estímulos velhos, pois
pobre fé , pobre força!
     Tão velhos!

terça-feira, 16 de agosto de 2016

CULTIVANDO SONHOS

CULTIVANDO SONHOS
                                                     Vera Popoff

Andando e buscando vida
Na estrada tortuosa
Admirando as flores
Conduzindo , com ternura,
 o meu jardim.

Na entrada da primavera
Tempo de renovação
Fui arrancando do chão sequioso
todos os pés de saudade

Plantei no maior canteiro
Uma muda de esperança
E esperei a brotação
regando com todo cuidado
Galho verde foi brotado.

Adiante ...ervas daninhas
Pés de mágoas, de tristeza, de crueza
Forragens rasteiras de arrogância
Mato invasor da alegria
Tudo tem que ser carpido
rastelado e adubado.
Vou espalhar as sementes da utopia.

Mais ao alto , na colina
Bem perto do sol nascente
Solo já preparado, um trabalho caprichado
Chegaram as mais lindas mudas...
            de sonhos.
E quando as flores se abrirem
O perfume será exalado
Juntos , muitos sonhos serão sonhados.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

SEM ASSUNTO

SEM ASSUNTO
                                         Vera Popoff

Quieta , irritadiça, sem assunto
O dia será difícil!
O horizonte foi embora
Sobraram as pedras , janelas fechadas, cimento.
A visão é aborrecida,
Nada é harmonioso
O passo é vagaroso
Busco uma linha leve,
mas isso , o dia me deve.
A alegria, por algum motivo besta,
hoje, não é merecida.
A alma desassossegada,
quase fica magoada,
mas se restabelece
e não emudece
Diz um canto ao meu coração:
-minimiza esta solidão!

ESTOU ACHANDO

ESTOU ACHANDO
                                       Vera Popoff

Estou achando-me cansada,
talvez  incomodada e pouco sossegada.
Dias que não escolhi
decisões que não são minhas,
aprendizados que nada acrescentam
Companhias que atrapalham
Falas repetidas , irritantes
que impedem-me de pensar.
Além de tudo, o sol ficou acanhado
e alguém perto, emburrado.
Serão horas e horas aborrecidas
Realidade chata e sentida
Um tédio profundo
Preciso de saco maior que o mundo!




terça-feira, 9 de agosto de 2016

CORAÇÃO E CÉREBRO

CORAÇÃO E CÉREBRO
                                         Vera Popoff

Vez em quando,
num exercício de loucura,
faço a transmutação.
Trago o coração para a cabeça
e o cérebro para o peito.
Ah...daí vira confusão,
mas tudo acaba com bom jeito.
O meu peito fica racional
bate com moderação,
rejeita ações de paixão,
planeja, arquiteta o amor
e ama com razão e sem fulgor.

Minha cabeça vira ternura pura
Raciocina como uma fonte que jorra emoção
Atira-se nos ares da liberdade
esquece que o tempo passa
e vive , sempre, a jovem idade.
Decide, escolhe, enfia os pés pelas mãos
Envia comandos cheios de comoção
ao  corpo, agora, totalmente envolvido
        no mais doce devaneio
Vê o mundo povoado de asas,
envolto numa única estação,
aquela das flores, aromas e beija-flores.
A pedra se emociona e vira rosa
A frieza bebe uma taça de vinho tinto
O sabor da vida é o mel de laranjeira
e tudo se resolve numa boa prosa.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

ALMA PEQUENA

ALMA PEQUENA
                                     Vera Popoff

Alma pequena!
A cada dia está se apequenando
Sente profunda dor a cada encolhimento!
Tua corrida já não é verdejante!

Escolheste o vazio
Mergulhaste em águas paradas
Tua aurora apaga o sol,
emudece passarinhos
Teu olhar fechado para a liberdade,
o mar, o rio, o céu.
Teu horizonte ficou curto
Teu espaço é um casulo.

Alma pequena!
Teu adormecer pesado não revela sonhos
Tuas noites são de pedra e o peso delas
depauperam a tua vida!

Ó, alma pequena!
Quanto estreitamento!
Teu caminhar se acanha
Teu coração sem contentamento
contrai o peito de lamento
Sofres da dor
sem estar doendo!

Feres  o teu ego, sem sangrar
Teu semblante pálido,
na tarde cálida
é mármore gelado!

Tuas mãos fechadas
não semeiam o trigo,
não amassam o pão.
A trilha escura que te espera
é nuvem de poeira.
Tua imagem ilusória
é apenas sombra
que se esvai... no vazio
que é o teu fadário!

A MARGARIDA FLOR

A MARGARIDA FLOR
                                         Vera Popoff

Da janela de vidro embaçado
vejo o canteiro das alvas margaridas.
Semeei-as num tempo de esperar
Hoje é planta numa terra solitária
Tão triste. E de tristeza,
   morrerá , um dia!

Sonhei com o canteiro da alvas margaridas
Fantasia tão bonita , tão ditosa!
Rompeu-se em mim...
qualquer encanto, ou maravilha.
Sou hoje, o meu próprio exílio
Quando eu morrer
Enterrem-me no canteiro delas,
as que ainda enxergo , da janela.

Perdi noites  na construção de imagens
E quão douradas eram!
Hoje, sou apenas um pedaço da mulher
e enrolo-me num farrapo de lençol
A minha margarida , ó bela
É , no canteiro, mortuária flor!



CANTO III

CANTO III
                                Vera Popoff

No rinque da luta estéril
        joguei a toalha.
Acabou. Cansei. Vou embora.
Não chamem
Não olho pra trás.

Reduzi meus anseios
Engoli meus prazeres
com língua de fel.
Apaguei minha luz,
os olhos cerrei,
no caminho...estanquei.

Cansei. Vou embora.
Não chamem
Não olho pra trás.
Enfastiei-me de tudo
Agora eu cuspo no entulho
que acumulei no meu mundo pequeno
e capenga demais , com o qual jamais sonhei.

Cansei. Vou embora.
Não chamem
Não olho pra trás
Se não parto, eu morro!
Preciso banhar-me de vida!
Buscar outra aurora...

Ouço chamados do vento
e me agito.
Aciono as asas feridas
Ensaio meu voo

Cansei. Vou embora.
Não sou predestinado à dor
Inda tenho ilusão escondida , abafada,
quebrada e que pode ser restaurada
Vou tirar todo o pó que juntou
e desbrilhou os meus sonhos.
Clarear as penumbras
enluarar a cegueira .

Não sou proscrito
Vou abrir a minha porta,
gritar o meu grito,
matar minha fome,
beber minha sede,
chorar minha lágrima e
rir o meu riso.

Encarar outros mundos,
abraçar amplidões que desconhecia
Desenterro a minha vida.
Vou subir, pegar e brilhar
com a derradeira estrela.

EU SOU MENTIRA

EU SOU MENTIRA!
                                        Vera Popoff

Eu sou mentira
quando entoo um canto.
Canto desgraças,
não sendo uma desgraçada!

Eu sou mentira
quando faço versos e iludo
o coração partido , que de esperar
     é moribundo!

Eu sou mentira
De zelo supremo eu finjo
cuidar dos meus desejos mais sensíveis
como porcelana antiga.

Eu sou mentira
quando me retrato firme e decidida
O que quero, na verdade, voa ao vento,
espera o tempo e fica a vagar, sem brilho,
           pelo firmamento.

Eu sou mentira
se me canto inteira!
Sou caco, retalho, fragmento, apenas...
Estagnada, não encontro o rumo
Sem construir, me esmago!

Eu sou mentira
quando digo-me emurchecida
O real é confundido com meu sonho
Já tive tantas flores, mas despetalei-as
Plantei sementes
mas não soube colher frutos.

Eu sou mentira
quando caio no vazio
Dentro do peito há um conteúdo escondido
Mas não aprendi mover meu mundo
Sou tardia e lenta
Da minha boca incoerente
demoram as palavras e , às vezes ,
             mentem!

TREVAS

TREVAS
                            Vera Popoff

( poesia dedicada ao Chico, um morador de rua da Baixada do Glicério em São Paulo)

Por sobre mim caíram pragas
E o meu peito arde em chagas.
Fui condenado a dores lentas, persistentes
       e contínuas.
Fui apontado como um verme que se arrasta
Vou seguindo contorcido e mudo,
com semblante baixo e  vil.

Por sobre mim caíram iras
Eu sou um desgraçado!
Já não posso suportar o peso fúnebre
da devastação que são meus dias.

Estou ameaçado de acabar
no meio dos destroços.
A opressão vai rebentar meu coração
Quero gemer, vociferar, uivar,
fazer-me notar, mas silencio e finjo dormir.

Sinto o frio assolador,
mas não é o frio da morte.
Clamo por ela:
-"Vem, vem me buscar,
ó morte ingrata e tétrica!"

Não há na terra um sofrimento mais brutal!
Em vida eu vou morrendo e lentamente,
Nas dores eu me arrasto...
como um ébrio ignóbil num canto da calçada.

Sou maldito!
Sem direito à redenção.
No momento em que nasci
apagou-se o sol, não despontaram estrelas
Vinte e uma noites da carência do luar
assistiram meus primeiros choros.
Dos céus , eu recebi a condenação!

Sou miserável!
O desvario é inevitável
Enterrei com morbidez
qualquer paixão.
Dilacerado, esfarrapado,
sou molambo e vagabundo.
Sou homem desolado e impuro.
Não tenho sonhos, sou insano,
           sou profano.

DÚBIO CORAÇÃO

DÚBIO CORAÇÃO
                                   Vera Popoff

Meu coração tem dois andares
No primeiro moram as queixa e os rancores
Os beijos não beijados, carnes sedentas de paixão
Ilusões perdidas, desgraças e dores das separações.

Primeiro andar das mágoas, decepções
           e pragas rogadas.
De pesar profundo vai desmoronar e verá a morte
       com muita dor sentida!
E a agonia será lenta...
De gemido a gemido , enterra-se  na  terra escura
a parte do coração que jorra sangue envenenado
            e impuro.
E quem sentir, que se enlute,
pois eu não sinto medo do funeral funesto.

No segundo andar moram o amor e totalidade
A perfeita integração, é templo dos afetos!
No segundo andar há frestas para os sóis
e seus raios são vindouros!
Luas após luas...novas, cheias, minguantes
                 e crescentes
alumiando noites sem angústias , harmoniosas,
habitadas por anjos d'asas violetas
Aromas de jasmins evaporando-se e
Bach tocando suave e divinamente.
No segundo andar se avizinham a superação,
as buscas, sonhos, a plenitude do perdão.

Meu coração é dúbio!
Nele, moram separados por sulcos sangrentos
A dor e o amor,
a frustração e o doce prazer,
o mais funesto sentimento guardado
            em cripta funérea
e o ditoso sentimento aventurado,
a vida afortunada de contentamento.


                     

MAIS UMA DE LIA

MAIS UMA DE  LIA
                                        Vera Popoff

Que raiva  Lia sentiu de si mesma!
Ela queria ser contra e acabou à favor
Decidiu pela esquerda e virou à direita
Queria investir no vermelho, mas...
acabou amarela e tão sem graça!

Ei, Lia! Que mancada!
Só chutou bola fora!
Bradou contra a ditadura,
mas sentou-se no sofá e viu a novela
E quando se deu conta
era uma reacionária.
Sonhou com um mundo livre,
com paredes derrubadas e
cordões desamarrados e...
virou a mulher recatada e do lar
Defendeu o aborto e pariu cinco filhos.
Ah, Lia...essa não!


domingo, 7 de agosto de 2016

LOUÇA QUEBRADA

LOUÇA QUEBRADA
                                          Vera Popoff

Como uma louça bonita, rara ,
         mas quebrada
Partida e sem serventia,
fui descartada e jogada.
Pelos pedaços de chão,
ignorada e jamais olhada,
virei apenas, fragmentos.
Cada caco da louça fragmentada
guarda um pedaço de mim.

Coração ali adiante,.
inda pulsa e jorra sangue,
emociona-se , sente amor,
repulsa, ódio e ardor,
num caco com desenho de flor.

Cérebro , num passo à esquerda...
Completo, atento, racional,
manda comandos nervosos,
sensíveis, indivisíveis,
sabe que ainda tem algum valor.

Os sentidos, nos cacos descansados
sobre a campina verde,
recebem energia e sentem o frescor,
a dor, ouvem o som  da cotovia,
enxergam e ainda tem serventia.

Não há possibilidade
da louça rara e bonita
um dia vir-se restaurada,
mas fragmentos juntados e
     aproximados
podem permanecer, minimamente
     unificados.


















       






OUTRO PLANETA

OUTRO PLANETA
                                       Vera Popoff

Sem remorso , sem ferida, sem pena
           Caio no espaço...
Tudo é azul e sugere ninho macio,
leve, sem culpa e nem agonia.
O planeta sem nenhuma palavra ferina
Onde não haja covardia ou traição.
Nele, pessoas sem tristeza e palidez
              nos rostos 
Ai que fulgor! Minha face tem relume.
Meu abajour  é um vagalume!
Lá de cima da montanha
assisto flores se abrindo,
em meio de um belo jardim.
Inspiro o ar transmudado
encho o pulmão do aroma do jasmim.
A relva é fresca e molhada
Parece não haver desgosto
Nem mesmo no seco agosto.
As gardênias são perenes,
alvas , desabrochadas,
não murcham, nem amarelam
Enfileiradas na estrada
Por alguém, sempre esperam.
A fruta é repartida, a alegria é multiplicada,
os sonhos são juntos...sonhados
E a vida é a cada momento , abençoada.
Ah...à Terra não mais regresso.
Ao Criador rezo e peço;
-Aqui achei o meu lugar,
ainda que eu viva sozinha
tenho a lua por vizinha,
e minh'alma que se aninha
num doce regaço encontrado
onde caminho descalça,
sem nós, por aqui...só laços.





ACABOU A FESTA

Minha homenagem à festa de abertura da Olimpíada/2016.
Com o coração magoado, enojado, assisti o show da hipocrisia.
Um rato escondeu-se, acabrunhou-se , omitiu-se...com medo
da festa, que não era a sua festa!





ACABOU A FESTA
                                        Vera Popoff

A festa mal começou
Mas para mim, já acabou!
Festa que tem golpista
e cinismo a perder de vista
É festa que aborrece
e que minh'alma rejeita e esquece!
Festa d'um convidado covarde, vil, traidor
Festa que abre as portas
para ignóbil sensor
Para mim, é a festa do horror.
Festa do papel laminado e picado
que esconde a hipocrisia
é festa sem graça e magia.
O interino vil e ferino
não sorri vermelho, nem verde e amarelo
É pessoa odiada e amaldiçoada
Intruso sem simpatia
que não serve, nem mesmo,
a sua própria e indigesta poesia!
Quem é aquele ameaço de homem
sentado e emburrado, com medo de ver
               a festa?
Quem é o ser desprezível,
sangrento, baixo , insensível,
vestido como um doutor
mas  semblante de malfeitor?
Quem é a sombra funesta
que acaba com qualquer festa?
Ferida com a traição,
chorando de amargura,
rogo praga no interino ferino!
Há de acabar como um rato
morando dentro do esgoto
Roendo a própria carniça ,
afundando-se numa areia
   grudenta e movediça.



sábado, 6 de agosto de 2016

VESTIDO VIOLETA

VESTIDO VIOLETA
                                         Vera Popoff

O universo estava violeta.
Naquela noite, vestida num vestido violeta,
            tornei-me mulher.

Foi o primeiro vestido de baile
            violeta.
Foi o abraço mais apertado
do primeiro amor,
o primeiro beijo.
O mais doce desejo,
o  lindo sonho vestido de violeta
no universo violeta.

O vestido violeta cobria o corpo
  da menina mulher e valsava.
A noite exalava o perfume da violeta
Sonho de vestido que jamais foi esquecido.
Nos devaneios e desvarios de uma, então mulher,
permanece o vestido violeta esvoaçante, leve,
                    mágico...

Nas lembranças desbotadas
o vestido violeta está intacto!
Esvoaçante, leve, mágico!

O TEMPO DE LIA

O TEMPO DE  LIA
                                       Vera Popoff

Lia não gosta de agosto
É mês de desgosto, da falta de gosto
Setembro chegou.
Lia sorriu
É primavera, tem flor!
Mas setembro passou
Lia nem notou.
Esperou...outubro,
sentiu o calor,
cheirou o cheiro da chuva,
mas dos pingos, se abrigou.
Cochilou e dormiu.
Quando despertou
Já era dia de novembro.
Espreguiçou, pensou, planejou,
e...vacilou.
Fez tantos planos que não percebeu,
     dezembro  apontou.
Agora sim! O tempo é de renascer!
Lia se preparou
Juntou cacos e alvejou trapos
Mas Lia recostou-se e o ano acabou!
Pobre  Lia!!
Janeiro...

DESENCONTRO

DESENCONTRO
                                 Vera Popoff

Amava João,
mas casou-se com José.
Esforçou-se para conservar-se íntegra,
invejou a libertinagem das outras moças,
            e caiu na rotina.
Não foi capaz de libertar-se
Evitou a traição, abafou a paixão.
Passou a vida se curvando,
      sem desabrochar
      sem escandalizar.
Passou dissimulando a tranquila,
a pacata, a discreta, a chata reservada.

Sua caminhada foi sem o brilho da lua,
na escuridão de uma noite fria.
No completo esquecimento
   já nem foi tão triste!
Passou a vida numa plataforma,
    sem embarcar
e o reumatismo chegou...

AO MEU AMOR II

AO MEU AMOR II
                                      Vera Popoff

Quando amo
Extrapolo a mim mesma.
Fico emparedada nos braços do amor
Isolada, surda, petrificada, muda...
Não quero ninguém para estorvar
            o meu amor.
Desejo ardentemente e fico à deriva,
tomada pela embriaguez.
Faço versos...
e que versos ruins!!

PARA O MEU AMOR I

PARA O MEU AMOR I
                                                   Vera Popoff

Deixei a janela aberta
e o vento entrou,
e o sol entrou.
O dia clareou.
Reluziam no coração
tanta esperança e paixão!

Como é bom deixar a janela aberta
       para o vento entrar
       para o sol entrar...
Como é bom deixar o coração aberto
       para o amor entrar...

Deixei a janela aberta
Deixei o coração aberto
e o amor entrou,
subiu à cabeça como vinho  novo.
E a alma dançou uma dança
    nada comportada.
E caí de joelhos ao chão
vencida pela paixão,
como a mais humilde,
implorando um beijo,
entregue, frágil , cheia de desejo.

Que sorte ter amado assim!
Que arrebatador sentimento!
Quanta inquietação e desgastação!
E chorei baixinho...
Murmurei palavras brotadas da paixão
     com a perda dos sentidos e
         o  desmaio da entrega!

CENAS DA INFÂNCIA ii

CENAS DA  INFÂNCIA II
                                                      Vera Popoff

Lugar nem bendito, nem maldito
Fez tristeza, fez alegria.
Lugar da terra arranhada,
da terra manchada
que fez nódoas no coração.
Com sentimentos de pesar ,
usei guache lutuosa e pintei
a tela triste de lembrar.
Bordei com ponto cheio
o tecido onde embrulhei
o bonito para recordar.

Andei com os pés descalços
Por caminhos de areião
Montei na jardineira do senhor Tonhão
que atolava no barro mole
e até mesmo no torrão!

Ouvi o boi mugindo
Vi o bezerro mamando
nas tetas caídas da vaca
Cheirei a bosta no pasto
Molhei-me na chuva mansa
Senti o perfume puro
das belas flores do campo!

Vislumbrei a plantação de algodão
O feijão brotando, o cafezal carregado
A mandioca cozida e tirada
           daquele chão!
E ficou aqui na lembrança
o mastro de São João
e o gosto do frango assado
arrematado no leilão!

Lembro a mulher rezadeira
Carregando a santa da devoção
no andor todo enfeitado de papel crepom.
O murmurar do "ORA PRO NOBIS"
nas bocas murchas das velhas sem dentes,
vestidas com vestes pretas,
as línguas grandes, ferinas
e o cheiro forte e ruim da urina.

E os gritos da parideiras?
As pobres tinham uma única função
a de parir um moleque , todo ano.

Lá vem a mulher lavadeira
com seu canto esganiçado
Rodilha firme na cabeça
cantando sempre a repetida canção!
Lavando a roupa no rio,
quarando no quarador
azulando de tanto anil!
Achando o mundo varonil!
O cheiro daquele sabão
que borbulhava no tacho
feito no fogo de chão!

Assopração do ferro de brasa
Vestido branco engomado
E vi a minha mãe vermelha
perto do fogão de lenha.
Parece que já vivi
uma centena de anos!

A andança por atalhos
pra visitar os compadres
Meu pai caminhava à frente,
lanterna acesa na mão
pra clarear a trilha maçante!

Quando caia a noite
estava aceso o lampião.
Dormia cheia de sonhos,
cobiçando o moço fazendeiro
que cavalgava imponente
na alameda de ciprestes.
Eu era, no doce sonho,
a cabrocha tão vaidosa
e ganhava um doce beijo
no gazebo de treliça.

No baile do Dia de Reis
Arrastava os pés no terrreiro
Sanfona de fole ingênuo,
O cheiro da alfazema
misturado ao suor azedo
dos homens suados
com lenço amassado na mão.

Com tanta recordação
enriqueci o coração.
Rascunhei telas patéticas
com tintas combinadas
de dor, de ódio, de amor!
           
        

SUCUMBI

SUCUMBI
                          Vera Popoff

Quando me dei conta
Já era tarde demais!
Sucumbi à dor!
A alegria já não era tanta
O fogo ardente já não queimava
A espera desesperava
O sorriso caiu da boca
     perdeu sentido!
As palavras se esvaziaram
As promessas se descumpriram
As mãos firmes, enfraqueceram
As ilusões viraram cinzas
Os espaços se limitaram
Os buracos se afundaram
Os fracassos se avolumaram
A abundância ficou tão pequena!
As amarras se apertaram e
se tornaram nós cegos!
A liberdade se aprisionou
num canto do coração.
Os pensamentos se estreitaram
Os limites se impuseram tão castradores!
As canções emudeceram
O silêncio ficou profundo
A solidão é "deste tamanho"!
Os amigos foram embora,
mas também já não fazem falta.
Sucumbi à dor!
Morri com vida
Não tem mais jeito
Vou para o quarto
tentar dormir!

TRISTEZA

TRISTEZA
                              Vera Popoff

Com as pedras cinzas da tristeza
Construí o meu ser e arquitetei o meu viver
A tristeza não me incomoda
E pode ter muitas cores
com um pouco de imaginação.

A tristeza é sutil, quieta e até gentil
Faço dela , a companheira
Valho-me dela para encontrar
e descobrir, afinal,  quem sou eu!

Da tristeza extraio lascas toscas
e faço minhas esculturas.
Extraio brutos diamantes
e vou, com cuidado, lapidando.

Respiro o ar bucólico
com o  aroma da tristeza
Encho os pulmões de ar
E eles fazem a conversão
O sangue pobre fica rico,
  quanta oxigenação!

A tristeza cabe em mim.
Tem o tamanho exato do meu peito
Ela bole comigo , faz-me abalada,
emocionada , mas nunca desabitada.
Já não me reconheço sob risos levianos
Não habito sob tetos com as telhas da hipocrisia.

Quando resolver sorrir
Vou sorrir inteira!
Quando chorar
As lágrimas serão púrpuras
Farei jorrar o meu sangue
nos pedaços de caminho
que sobraram para mim!



ASSIM ...ASSIM...

ASSIM ...ASSIM...
                                            Vera Popoff

Assim...assim..
esqueci meu endereço.
Já não discuto preço
A fome que sinto é pouca
Para a sede de beber
tenho a água que satisfaz.
Com  direito adquirido
dei as costas ao que é mordaz
Não uso roupa apertada
remendo a que está rasgada
O sapato é velho e folgado
Já nem fico mais avexado,
Digo não sem ficar corado
       ou acanhado.
Não atendo mais telefone,
rasguei agenda  com nomes,
decidi pela solidão
sem ter que pedir perdão!
Acordo de madrugada,
faço o sinal da cruz
Sem repetir oração
Cumprimento o sol que nasce
Recolho um ramo verde
É a minha superstição
À mesa , café com pão
O canto do sabiá
é o som que penetra no coração!
Se me chamam
eu finjo que não escuto,
já tenho muita companhia:
- a rosa desabrochada
-a dália amarelada,
-a fruta adocicada,
-a quietude preservada
-a paz, enfim, conquistada.
Desisti da competição
Contento-me com o que tenho à mão.
Já não frequento festa , tampouco,
      encontro e reunião.
Assim...assim...decidi a vida.
Domino meu pouco espaço
São dois mil e oitocentos metros
Conheço cada palmo
do chão pisado e repisado,
plantado e replantado.
Conto as frutas do pé
Sei quantas estão bicadas,
maduras e esverdeadas.
As folhas no chão caídas
se ajuntam e são o meu tapete
A rede é a minha cama
Meu chão ladrilhado de grama.
Já não faço aniversário
e nem dou os parabéns!
Não digo que o feio é lindo
para agradar o camarada.
Não digo amém, por favor
ou  com licença, seu doutor!

É assim...assim...
Descobri um pouco tarde,
mas ainda não morri.