terça-feira, 29 de agosto de 2017

O LIVRO LIDO

O LIVRO LIDO
                                  Vera Popoff

Não dobre as pontas das páginas do livro!
Não rabisque o livro
Não coloque anotações ou comentários!
Ora, ora, ora...
Um livro é para ser lido e relido
Bulido, anotado e rabiscado...até.
Para que me serviria um livro?
Se não pudesse discutí-lo,  entendê-lo,
desvendá-lo e travar embates com suas ideias?
Anotações de novos vocábulos e dúvidas
Das diferenças e ambiguidades,
Das viagens e voos,
das misérias desconhecidas,
da fúria dos intolerantes,
da mansidão das águas do rio,
do perfume da donzela,
se "sou ou não sou".
Do sapato de verniz e da criatura sem verniz,
dos opressores e o medo dos oprimidos
Da cachaça, e da ressaca
Das lágrimas, do desespero
Das paixões perdidas e da vontade dividida
da fome de comida e de afeto,
dos segredos mal guardados,
da dor da viúva e dos corações maternos,
dos espelhos quebrados e o mau agouro
e das perdas...
da matéria e do sobrenatural,
das mandingas e sortilégios,
do branco, do negro
do contato e do prazer,
dos meninos que brincam e dormem
e daqueles desorientados
das libertinagens e das imagens
da justiça
da injustiça
do conhecimento
da 'Lira dos vinte anos"
Capitu traiu, não traiu
Dos cem anos de solidão
Maria Madalena e Jesus
o trovão, o sol, o céu.


...da vida
...da morte.

ROSA PÚRPURA???

ROSA PÚRPURA??
                                     Vera Popoff

O botão da rosa vingou indeciso...
Não decidira se seria rosa, ou púrpura
Quisera fosse azul!
Não lhe  permitiram
Entre a indecisão: se rosa ou  púrpura,
       chega o besouro faminto.
Belisca  o botão , nem rosa , nem púrpura e
                nem azul.
A tom foi destonado
A rosa mal aberta
O besouro satisfeito
A roseira decepcionada
O jardim sem tanto encanto
A manhã sem a fragrância
A alegria mais distante.

TEMPO, TEMPO, TEMPO

TEMPO,  TEMPO , TEMPO...
                                                       Vera Popoff

Passa da meia noite...
Meia noite e tanto,
não sei exatamente porque não fixo no relógio.
Assusta-me o tempo que passo sem dormir
Sigo nesta vida com disciplina irritante e esmagadora!
Esmaga o bom humor, esmaga a leveza, esmaga, esmaga,
esmaga qualquer broto de ternura.
Cinco e trinta , o primeiro café.
Nenhum minuto antes ou depois.
Seis horas , a caminhada...
No mesmo espaço, as mesmas esquinas,
as mesmas caras desconsoladas e sonolentas.
Como a minha cara de tola. Disciplinada e tão certinha!
Uma vontade jorra d'alma:
- esconder-me do tempo, das horas...
Quem inventou a tolice de contar as horas?
-Não fui eu, mas a engrenagem da rotina
                     inventei e patentei.

domingo, 27 de agosto de 2017

A ÚLTIMA CARTA

A ÚLTIMA CARTA
                                    Vera Popoff
Escrevo-te a última carta
Fora de moda , as cartas seladas, cheia de segredos,
                              desapareceram...
Quero te contar da minha vida
depois da tua cruel partida
Deixaste-me sem um beijo e...
tive que passar o tormento de relembrar
os tantos outros beijos antigos, molhados, demorados,
               tão apaixonados!
Precisei agarrar-me ao penúltimo abraço
O último tu me negaste.
Foste sem um único olhar ...para trás
Se tivesses virado e me olhado
não terias partido.
Terias visto a mulher que abandonavas, ali.
Tão cheia de amor , carente  e como  árvore ,
 pendendo frutos de desejo e  de carinho
Disposta  a ser a tua gueixa, a tua escrava,
                aos teus pés!
Foste sem saber que o meu amor era louco,
único, perfeito, incondicional, disposto e perene
              como um carvalho.
Depois da tua partida fiquei perdida
Perambulei por causas doidas, entreguei-me
às lutas , que até então , nunca foram as minhas.
Até ali, minha luta era prender-te, agarrar-me ao teu corpo
Beijar-te inteiro, dos pés aos teus cabelos.
Deixaste-me...perdida.
Agarrei-me aos sonhos de liberdade
Distanciei-me de outros homens
Tomei dianteiras perigosas,
enfrentei o risco de tortura e morte
Sabes por quê?
Já não queria ver outro sol nascer,
       longe de ti.
E sentia repulsa pelo abandono e a ingratidão,
apesar dos amores nunca serem gratos
Mas eu vivi, meu amor!
Sem ti! Acreditas ? Vivi e fui bonita
Vivi e amei outra vez
Vivi e mudei, transformei algumas vidas...até!
Fui desejada por outros homens e amada
Conheci beijos mais lascivos que os teus beijos
E prazeres , até mundanos, mas tão quentes !
Fiz coisa que desconheces
Conheci territórios íntimos que desconhecia
Entrei dentro de mim e desbravei-me.
Hoje, assim como sou, não me quererias
Sou cheia  de vontades e sabedorias
Amparei-me no estudo da filosofia
Aprendi que o amor  só vale a pena
quando também é amado.
Vi a tua figura pelas vias sociais
Senti pena...
Sem mim ficaste tão plural e tão sem graça!
Teu olhar parece fosco e teus lábios, acho,
           sem  o sabor do vinho daquela taça.
Falas de coisas pequenas e erras as concordâncias
             que estudávamos juntos.
Achei o tua retórica  limitada e atrasada
Não discutes a ética, a desigualdade, viraste para a direita
Ah...eu pouco perdi, sem ti
Mas tu? pobre homem vazio!
Perdeste muito, ou quase tudo, sem mim.
Despeço-me e te desejo uma grande remorso!
Mereces todas as ingratidões do mundo
Longe dos meus olhos e da minha amorosa vigilância,
teus dias são insonsos e percebo-te  amargurado,
desfigurado e a criatura que hoje, não desejaria
                  para mim.
Ficarias atônito se me visse , agora!
Emociono-me e sou capaz de enternecimentos ,
Às  vezes , confesso-me descontente porque espero sempre
                               muito  mais
Não apenas para mim, mas minha esperança é ampla
                               e abrangente.
Tive perdas bem maiores do que a sentida
           quando te perdi,
Mas estou aqui! Se restou saudade,
distante , bem distante , tornou-se névoa.
Enfim, nos perdemos, mas reencontrei-me
Já, tu, homem fugaz...no teu castelo
       é um ser perdido e empobrecido.
Toda a mágoa do mundo carregas nos teus fracos ombros.


Sem mais e atenciosamente...Eu!

sábado, 26 de agosto de 2017

REGRESSO

REGRESSO
                    Vera Popoff

Regressei ao passado...
Cheia de esperança de reviver pedaços doces
                   da vida!
Não sei se foram muitos, se foram tantos , ou...
se foram quase nada e superestimados.
Só sei que o tempo passou depressa,
          ora arrastado.
Lembro-me que o céu inda era azul,
que eu era distraída e não percebia o que doía.
Revi no pensamento as minhas tias
Uma engraçada, outra severa, tanta ternura
Mas na volta ao meu passado, elas morreram
                 outra vez!
E a minha mãe  sorria , linda!!!
Meu pai contava casos e meu irmão sempre ao piano
Foi bom revê-los! 
Mas no regresso ao passado, novamente senti a dor
                    da derradeira despedida.
Meu Deus Santo!! Quero esquecer todas as alegrias vividas
para não lembrar-me das tristezas revividas.
Sigo sob o céu...já não tão azul...

SÓ UM JOGO

SÓ UM JOGO
            Vera Popoff

Era apenas um jogo...
Uma distração, amendoim torrado,
poltrona confortável e a vontade de ganhar.
Um jogo... como a vida...um jogo
A bola rola e a esperança desliza na ponta dos pés
Esquecido todo o resto...tarefas e preocupações
A cada lance , a cada drible e o coração dá salto
-Pura emoção, mas...já não é só um jogo.
é tensão e virou dor.
O jogo acabou esvaziado de esperança
O que foi gostoso  e doce, hoje, azedou.
Mexeu comigo, desnorteou o meu equilíbrio.
Enfim a conclusão tão racional:
- Bobagem, foi só um jogo!
Mas eu sofri, caramba!!!
Mas eu sofri, caramba!!!

POEMA DO DESCONTENTE

POEMA DO DESCONTENTE
                                                Vera Popoff

Não bastou querer viver.
Não  bastou abrir a janela e o sol invadir a casa
Não bastou pisar a água corrente e me banhar
           ao som da cotovia
Não me bastou o pensamento, nem a filosofia
Não me bastou ter a ideia, uma palavra doce
Não me bastou fingir que ando tão contente
              ...sou descontente.

Não me bastou brincar de escrever poesia
As falas do ser humano perturbam,
           soam como heresia
Fujo para um lugar  que não me esconde
e finjo que  está tudo bem, que sou contente,
apenas só um  pouquinho, diferente
Mas de verdade...sou descontente.

Acordo na madrugada fria , cheia de sensações
Caminho , vento na cara, passos ligeiros
Quem sabe , num belo dia, desnudo as emoções
E poderei extravasar tais sufocações,
Dizer que , enfim, eu vi a felicidade,
falar  com segurança :- como estou contente!
Mas por enquanto , sou o que posso
            ...sou descontente!

        


DESVALIDA

DESVALIDA
                      Vera Popoff

Quando a agonia e a tensão se juntam
Quando um quase desespero e a sofreguidão
            estão à flor da pele
O coração esmaga-se...quase me mata!

Sema as gotas que aliviam dores
Sem remédio e sem alívio, regurgito
            a desesperança.
E num trança, trança de paixões feridas
A quem recorro?
Se nada enxergo e n'onde piso
não há socorro.

O pranto prendido, escondido e inibido,
       à alma, pesa!
Não me contenho e lanço-me ao precipício
   das amarguras, contra a corrente.
O subconsciente sabe além,  da minha frente
O mal está por perto, já "arrodeia".

Meu corpo é desvalido, tão fraco e frouxo
O sentido atina e já lastima
Não há como conter a má corrente
A premonição presente, não me desmente!

Fraquejo e tombo.
Nem mesmo aquela flor tão bem cuidada,
               resiste.
Cai murcha, desolada,  e  no chão duro
                   jaz pisada...


                  

      
Sangrias estancadas
                      Vera Popoff

Pois bem!!
Todas as sangrias estancadas
As caras cínicas, nada envergonhadas...
A Nação, no chão, esfarelada
O trabalhador com a dignidade aviltada
Para onde correremos?
Um caminho mais bonito, encontraremos! Ah...encontraremos!
Perplexos e exaustos, sobrevivemos
E não desistiremos!
O mal inda persiste , mas seu tempo tem validade
Sem chance , acabará no esgoto
Embrulhados nas mortalhas da canalhice
Não resistirão à lama , à putrefação dos maus sentidos
Tombarão como covardes , pobres pervertidos!!

GOSTO ,DESGOSTO

GOSTO, DESGOSTO
                                          Vera Popoff

Sinto gosto pela vida
Mas  também sinto desgosto
Quando chega a tarde morna
Ai, que delícia de gosto!
Vem a noite sem luar
Santo Deus, quanto desgosto!
Nos campos percorridos com gosto
O gosto da amora doce
dá gosto doce ,  na boca de tantos desgostos.
Na confusão das ideias
Já não sei quando é gosto
e quando é desgosto.
Meço o tamanho do gosto
e o volume do desgosto
A conclusão me arrepia
Aquilo que parecia gosto
virou enorme desgosto.
Retiro tudo que disse
Começo outra história...com gosto
Escondo-me em meio ao mistério:
-Afinal, minha vida é um gosto
        ou um desgosto?
E entra este mês de agosto
Vislumbro enorme desgosto,
Mas  no cheiro da tangerina
volto a sentir pleno gosto.
Se sorrio , o faço com gosto
Se choro, deito sob o desgosto
No reflexo do sol  na janela
enxergo um dia de gosto
Mas chega um vento do sul
e carrega a alegria gostosa
Cá estou começando do fim...
   sou outra vez...desgostosa!



O QUE SERÁ DA VIDA

O QUE SERÁ A VIDA??

                        Vera Popoff
O que será a vida?
Além d'um sonho esquecido,...
Do coração todo repartido
E das ilusões atiradas ao chão e pisadas?

O que será a vida?
Além do teu olhar indiferente,
Do abraço mal abraçado, tão frouxo?
Da boca humilhada , esmolando
um último beijo,
E a sufocação do mais ardente desejo?
O que será a vida?
Além do lenço da partida, ao vento,
balançando?
E do caminho esburacado
Do solo já esturricado
E do pensamento livre, agora travado?
O que será a vida?
Além da mão calejada
Da beleza consumida
Da cachaça barata, engolida
Da garganta, pelos prantos, esfolada,
Da raiva disfarçada , da indiferença degustada,
Da alma desprezada, brincando que é amada?
O que será a vida?
Além dos filhos paridos, criados, sumidos?
Das desilusões entre mulheres e maridos?
Da cama fria ... arrumada pelo desamor
Da blusa bem abotoada
E do seio não mais tocado e afagado?
O que será a vida?
Além de uma semana de agonia
e poucos minutos de alegria?
Das raras e distantes belezas
Das poucas levezas e finezas,
nenhuma moleza e o enfrentamento das baixezas
Das avalanches de safadezas e torpezas?
O que será a vida?
Além das rasas batalhas vencidas,
Mas...da guerra perdida????
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