BOCA DA NOITE
Vera Popoff
Larguei o bordado sem terminar
Tantos pontos , ainda faltando...
De que me serve mais um bordado?
Se o meu coração anda tão sufocado?
Troco a roupa comportada e caio...
na boca da noite!
-Que cheiro de perfume barato!
-Que desarmonia insólita e desigual!
Mas inspira-me um poema marginal!
Um calor faísca na cova do peito
que arde, queima , lateja e sofre !
No hálito da boca da noite
eu procuro , com desespero ,
a boca que levou meu beijo.
De viela em viela ...
Dos botecos aos becos,
Nas avenidas perdidas de saudades
Nas esquinas de todas as solidões
Eu farejo o cheiro do teu corpo
que impregnou no meu corpo.
O rosto aflito tem urgência
e nenhuma prudência!
Os olhos atentos procuram teus olhos
Minha boca marcada procura o beijo roubado.
Na boca da noite
sob a luz fosforescente,
Desvairada, não corro atrás
do que a razão consente,
mas do fogaréu da paixão ausente.
Cansada , retorno!
Nenhuma esmola de carinho
Nenhum gole de afeto
Só a dor do desafeto!
Suada, retomo o bordado
Os pontos recomeçados
uma atrás do outro , desafiam
a paciência e a decência
que já perdi!
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