CENAS DA INFÂNCIA II
Vera Popoff
Lugar nem bendito, nem maldito
Fez tristeza, fez alegria.
Lugar da terra arranhada,
da terra manchada
que fez nódoas no coração.
Com sentimentos de pesar ,
usei guache lutuosa e pintei
a tela triste de lembrar.
Bordei com ponto cheio
o tecido onde embrulhei
o bonito para recordar.
Andei com os pés descalços
Por caminhos de areião
Montei na jardineira do senhor Tonhão
que atolava no barro mole
e até mesmo no torrão!
Ouvi o boi mugindo
Vi o bezerro mamando
nas tetas caídas da vaca
Cheirei a bosta no pasto
Molhei-me na chuva mansa
Senti o perfume puro
das belas flores do campo!
Vislumbrei a plantação de algodão
O feijão brotando, o cafezal carregado
A mandioca cozida e tirada
daquele chão!
E ficou aqui na lembrança
o mastro de São João
e o gosto do frango assado
arrematado no leilão!
Lembro a mulher rezadeira
Carregando a santa da devoção
no andor todo enfeitado de papel crepom.
O murmurar do "ORA PRO NOBIS"
nas bocas murchas das velhas sem dentes,
vestidas com vestes pretas,
as línguas grandes, ferinas
e o cheiro forte e ruim da urina.
E os gritos da parideiras?
As pobres tinham uma única função
a de parir um moleque , todo ano.
Lá vem a mulher lavadeira
com seu canto esganiçado
Rodilha firme na cabeça
cantando sempre a repetida canção!
Lavando a roupa no rio,
quarando no quarador
azulando de tanto anil!
Achando o mundo varonil!
O cheiro daquele sabão
que borbulhava no tacho
feito no fogo de chão!
Assopração do ferro de brasa
Vestido branco engomado
E vi a minha mãe vermelha
perto do fogão de lenha.
Parece que já vivi
uma centena de anos!
A andança por atalhos
pra visitar os compadres
Meu pai caminhava à frente,
lanterna acesa na mão
pra clarear a trilha maçante!
Quando caia a noite
estava aceso o lampião.
Dormia cheia de sonhos,
cobiçando o moço fazendeiro
que cavalgava imponente
na alameda de ciprestes.
Eu era, no doce sonho,
a cabrocha tão vaidosa
e ganhava um doce beijo
no gazebo de treliça.
No baile do Dia de Reis
Arrastava os pés no terrreiro
Sanfona de fole ingênuo,
O cheiro da alfazema
misturado ao suor azedo
dos homens suados
com lenço amassado na mão.
Com tanta recordação
enriqueci o coração.
Rascunhei telas patéticas
com tintas combinadas
de dor, de ódio, de amor!
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